Sobre a importância das coisas
Sobre a importância das coisas é fácil dizer, sobre a necessidade que temos delas (ainda que não sejam tão necessárias), também. O difícil é admitir ou falar acerca da necessidade que temos uns dos outros... Isto envolve nos questionarmos sobre nossos apegos e carências mais escondidas. Além do que, necessidades podem ser criadas...
A vida humana é feita de contatos, e querer negar o caráter das relações que estabelecemos uns com os outros é negar aquilo que está implícito em nossa condição humana, isto é, a alteridade que condiciona nossa existência. É certo que, vez ou outra, tenhamos tido a necessidade de buscar auxílio através de alguém. O fato é que necessitamos uns dos outros, aceitando ou não. A dificuldade se instala à medida em que não admitimos nossas fraquezas, nossas limitações. Deus colocou em todos nós o instinto de sobrevivência, o amor pela vida, e é normal que nós nos esforcemos para preservá-la.
Por vezes, nos deparamos com situações em que nossas convicções são postas à prova. Vemos-nos apegados em nossas seguranças e, pior ainda, acabamos por acreditar que só há belas flores do nosso lado da montanha. Digo isso pelo fato de que, na maior parte do tempo, sobretudo quando confrontados, é difícil admitir que nossa posição ou convicção seja frágil, limitada e imperfeita. Isto para todos nós, independente de nossa condição ou estado de vida.
Pergunto-me pelo “amai-vos uns aos outros”, querido e instituído por Jesus e me deparo com o âmbito de minhas incoerências. Começo a admitir que haja um espaço que é do outro e que sou chamado a respeitar, calar e esperar. Já disse, em outra ocasião, que a vida nem sempre respeita o que a gente deseja, e percebo que isto pode se tornar um caminho destrutivo quando insistimos em querer as coisas da maneira como acreditamos ser melhor. Há sempre outro lado da montanha a ser considerado, e pode ser que nos surpreendamos com a beleza dos jardins que lá são cultivados.
Perguntava a um amigo: “Por que é tão difícil?” Ele me respondeu que era difícil porque não era fácil. Achei graça da sua resposta, mas para mim foi a confirmação de que os horizontes de nossas relações são instáveis devido às fragilidades de nossa condição. Heróis só existem nos quadrinhos, a vida real é dura e exigente.
Tenho aprendido que a misericórdia que exigimos para nós constitui, também, direito daqueles que caminham na vida conosco. Que na vida, somos todos possuidores da mesma dignidade diante de Deus, e mensurar a vida do outro a partir daquilo que seja convicção particular ou pessoal de cada qual, no mínimo seria egoísmo ou falta de caridade.
Viver é uma arte, um dom. A tarefa que nos cabe é respeitar as diferenças e evidências, respeitar os espaços e limites que sinalizam nossas relações. É fato que precisamos uns dos outros, mas ninguém é insubstituível. É preciso entender que do outro lado da montanha o sol também brilha, que há um horizonte de escolhas que somos chamados a fazer, e que caberá ao bom senso de cada pessoa o respeito pela vida alheia. Já houve quem disse: “Que amar não é prender, nem ter domínio sobre alguém. Mas consiste em fazer livre a quem se ama e se quer bem. Todo amor que não promove a liberdade não convém”. É difícil e exigente o ofício de ser cristão, mas a graça de Deus nos ajuda a seguir, mesmo quando tudo parece não ter sentido e razão de ser.